O Governo Regional da Madeira diz não ter dinheiro para aplicar a Lei do Aborto na Região Autónoma e está a aguardar uma decisão do Tribunal Constitucional, depois de ter interposto um processo sobre a aplicabilidade desta lei neste território.
A resistência do Governo Regional em aplicar a lei que permite às mulheres abortarem em espaço devidamente legalizado dentro do prazo de 10 semanas nasceu quando a questão do aborto voltou à agenda política com a decisão de novamente referendar esta matéria, mas agudizou-se com o aparecimento de uma nova Lei de Finanças Regionais.
Na Madeira, o PSD fez campanha contra a legalização do aborto. E, no dia do referendo, a maioria dos madeirenses disse não ao aborto, mas foi o «sim» que venceu no país.
Quando foi votar, Alberto João Jardim informou logo que a Madeira não teria meios financeiros para avançar com a aplicação da nova lei, caso fosse aceite pela maioria, como veio a acontecer.
A então secretária regional dos Assuntos Sociais, Conceição Estudante, veio, no dia seguinte, subscrever as declarações prestadas pelo presidente do Governo Regional. Ou seja, «para introduzir alterações na política de saúde da Região, nós careceríamos necessariamente de um apoio financeiro do Governo da República», até porque «toda a gente sabe das dificuldades financeiras que a Região está a passar», sublinhou Conceição Estudante. As «dificuldades financeiras» de que falava a governante eram as resultantes da nova polémica lei de Finanças Regionais, fortemente contestada pelo Governo da Madeira por haver uma perda «acentuada» de verbas para este arquipélago.
O tempo foi passando, surgiram eleições antecidapas na Madeira, o PSD voltou a vencê-las, foi eleito o novo Governo e um novo titular da pasta da Saúde na Região.
Uma das primeiras declarações de Jardim Ramos, o novo secretário regional dos Assuntos Sociais, foi precisamente para dizer que a sua opinião quanto à matéria de aborto era idêntica à da sua antecessora, Conceição Estudante. Isto é, a Madeira está sem dinheiro para aplicar a lei.
Depois da entrada em vigor da lei do aborto, esta semana, o presidente do Executivo madeirense veio ontem insistir na mesma posição. «As mulheres que decidirem pela interrupção voluntária da gravidez terão de recorrer aos serviços de saúde nacionais porque a Região Autónoma da Madeira não tem meios financeiros para satisfazer essa vontade», disse.
Esclareceu também que «ninguém está a impedir o cumprimento da Lei, a Região não tem é dinheiro e, portanto, existe um número nacional ao qual as pessoas que queiram fazer a interrupção voluntária da gravidez podem recorrer», declarou Jardim à televisão regional, a RTP-Madeira.
Mas ontem o ministro da Saúde, Correia de Campos, contrariou Jardim. O ministro disse que «as mulheres madeirenses não podem programar a interrupção voluntária da gravidez nos hospitais públicos do continente» e que a linha "Saúde 24" já está a informar os utentes do Serviço Regional da Madeira de que não existe qualquer protocolo com os serviços públicos da Região.
O ministro Correia de Campos afirmou também, à TSF, que está disponível para negociar um acordo com as autoridades regionais de saúde da Madeira. Mas, espera que seja o Governo Regional a dar o primeiro passo.
Comentando estas declarações do ministro, o secretário regional dos Assuntos Sociais deixou claro que «não está disponível para negociar».
Falando para o JM, disse: «Quem tem de assumir os encargos é a República, porque trata-se de uma lei nacional aplicada a todo o território», fechando assim a porta a um«entendimento possível nesta questão».
Para Jardim Ramos, o assunto é fácil de entender: «Quem mandou aplicar a lei no território nacional é que tem de assumir as responsabilidades e os custos».
O governante madeirense mantém que a legislação em causa é inconstitucional, até porque os órgãos próprios da Região não foram ouvidos, nem na altura da discussão da proposta nem durante o seu processo legislativo.
«O secretário regional dos Assuntos Sociais mantém ainda que se trata de um acto colonial e que o Tribunal Constitucional deve proceder à fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei», escreve o JM.
A não aplicação desta lei na Madeira é uma matéria que também está a ser acompanhada pelos partidos da oposição, que contestam fortemente a posição do Governo Regional e do PSD em não aplicar esta lei, cujo diploma, no resto do país, entrou em vigor esta semana.
Hoje, o Bloco de Esquerda na Madeira apresentou na Assembleia Legislativa da Madeira um decreto-lei para a aplicação da nova lei do aborto.
Também no continente o assunto não está a ser ignorado. Hoje, o PCP, o BE e o PS protestaram fortemente contra a posição dos sociais-democratas madeirenses.
O Representante da República para a Madeira, o juiz-conselheiro Monteiro Diniz, também já se pronunciou sobre o assunto, dizendo que a lei do aborto é aplicável em todo o País, o que inclui, naturalmente, a Madeira, mas lembrando que a Região pode não ter condições materiais para a sua aplicação.
Segundo noticiou o JM na sua edição de ontem, o Representante da República disse ainda que, «em certas circunstâncias, quando na Região não se legisla sobre determinada matéria, os órgãos da República podem preencher essa lacuna, e a RAM para se libertar da intervenção da República terá que legislar para impedir essa intervenção».
O juiz-conselheiro assumiu que «esta portaria não é válida para a Região, porque está toda ela estruturada em termos de estruturas continentais, porque de outra maneira poder-se-ia dizer que ela já vale para aqui».
Entretanto, o DN-Funchal diz, na sua edição de hoje, que não será por meios humanos e técnicos que a Madeira não poderá aplicar a nova lei, já que o mesmo matutino «apurou que serão poucos o médicos ginecologistas-obstetras a invocar objecção de consciência na prática de IVG. Entre os 17 especialistas do Hospital Central do Funchal, serão apenas três os objectores de consciência».
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