Nesta santa noite de Natal, fazemos memória e celebramos, com indizível júbilo, o “hoje eterno” de Deus e o seu admirável amor pela humanidade, manifestado na Incarnação do Verbo. O rosto e o coração do Verbo, a Palavra Eterna de Deus, são de Menino, cheio de graça e de verdade. “É da sua plenitude que todos nós recebemos graça sobre graça” (Jo 1, 16).
Na primeira leitura, Isaías surpreende-nos com uma luz fulgurante, cumprimento das promessas do Deus forte, que vence todas as noites, medos, guerras e tristezas, e enche de renovada alegria o seu Povo. Na jubilosa narração do maior Profeta messiânico, “o Salvador de Israel tem o poder sobre os ombros e manifesta-se numa paz sem fim. É o Conselheiro admirável, Deus valoroso, Príncipe da Paz” (Is 9, 5).
Na segunda leitura, S. Paulo, o grande Apóstolo da Palavra, cujo jubileu estamos a celebrar em toda a Igreja, fala-nos da graça de Deus, que traz “a salvação a todos os homens”. Na plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho ao mundo para o salvar. Perante o testemunho irrecusável da suprema caridade de Cristo, na doação da própria vida, sinal do seu amor até ao fim, urge renunciar aos desejos mundanos e a viver em comunhão com Ele. “Ao ver o mundo oprimido pelo temor, Deus procura continuamente chamá-lo com amor: convida-o com a sua graça, atrai-o com a sua caridade, abraça-o com o seu afecto” (S. Pedro Crisólogo).
A sábia pena de São Lucas faz-nos uma narração interessante sobre o nascimento de Cristo, rica em pormenores, como acabamos de escutar no Evangelho desta noite. É a Boa Nova de Deus, que se integra na história da Humanidade, assumindo eventos concretos, como o de um recenseamento romano. Na mais completa pobreza, naquela agitada noite de Belém, nasce o filho de Deus, que Maria envolve em panos e coloca numa manjedoura. Admirável mistério do insondável amor de Deus pela Humanidade!
Jesus Cristo – O Rosto da Palavra Eterna do Pai
Hoje, somos todos convidados a entrar na gruta, transformada em catedral de Luz, e a contemplar, nesta divina claridade, com os olhos de Maria, o Menino de Belém, deitado sobre pobres palhas. “O Verbo era a Luz verdadeira que a todo o homem ilumina” (Jo 1,9). O silêncio, música de fundo, no coração da noite, é a nova linguagem do Amor, sinal de acolhimento, respeito e adoração. Nesta escuta silenciosa, em comunhão eclesial, louvamos e adoramos, no Espírito Santo, o inefável amor do Pai, que nos dá como presente de Natal o maior bem do mundo: o Seu Filho Unigénito, cheio de bondade e misericórdia.
Os sinais da manifestação de Deus, por vezes, desarmam-nos. Deus baixa-se até ao homem, envolto em pobres panos, e revela-se em gestos de humildade, pequenez e pobreza. Dentro de alguns instantes, nos sinais humildes do pão e do vinho, o mesmo Espírito Santo, que, em Maria, realizou o admirável mistério da Encarnação do Verbo, descerá sobre o altar, onde o Pão da Vida se oferece totalmente a nós, como outrora na manjedoura de Belém. Cristo, o Verbo eterno do Pai, quis habitar no meio de nós para podermos contemplar a sua glória.
De permeio ao silêncio adorador de Maria e de José, um movimento inusitado surpreende os céus e as campinas de Belém. Os Anjos cantam as glórias do Senhor e os pastores, vigilantes, acorrem apressados ao presépio. Chegou o Emanuel – o Deus connosco. O dinamismo do Natal impele-nos a olhar os céus para discernir a vontade de Deus e a contemplar a terra para escutar os pedidos de socorro dos irmãos, que precisam de nós. “É impossível escutar a voz de Deus sem escutar os outros, em particular o grito dos oprimidos, dos marginalizados, dos pobres desprezados, dos doentes” (Bernard Häring).
A glória de Deus é o homem vivo
Santo Ireneu, bispo e mártir do séc. II, diz que “a glória de Deus é o homem vivo e a glória do homem é a visão de Deus. Se a revelação de Deus pela criação já dá vida a todos os seres, que vivem na terra, quanto mais a manifestação pelo Verbo, dá vida aos que vêem a Deus”! Deus envia o Seu amado Filho, para nos libertar da escravidão do pecado, e oferece a cada homem e a cada mulher a possibilidade de viver a plenitude da Vida n’Ele. “Deus amou de tal maneira o mundo que enviou o Seu Filho Unigénito para o salvar”(Jo 3, 16)! A grandeza deste Amor sublime enche-nos de assombro e gratidão, porque Deus, para nos enriquecer e engrandecer, revestiu-Se da natureza humana e fez a Sua tenda entre nós.
Um rico património espiritual e cultural
Verifiquei, com muita alegria, no ano passado e neste ano também, que o Natal do Senhor, nas Ilhas da Madeira e do Porto Santo, é a festa religiosa por excelência deste povo, profundamente religioso, que celebra o nascimento de Cristo com extraordinária alegria e entusiasmo.
Admirei as vossas belas tradições religiosas com raízes franciscanas sobre “a festa”, e que deveis conservar sempre cuidadosamente. O Natal é, de facto, a grande festa, porque é, na verdade, o início de todo o mistério da Redenção! Esta grande riqueza tradicional perdura através de gerações, inclusive nos nossos emigrantes, que, longe da sua terra, continuam a celebrá-las no estrangeiro, suspirando ansiosamente por um dia voltar.
Além das luzes e ornamentos natalícios, que embelezam as nossas ruas e as nossas casas, a alegria, a saudade e o amor juntam as nossas famílias, vizinhos e amigos, em saudável convívio fraterno. Continuai a manter, nas vossas casas, a secular tradição de “fazer a lapinha”. Preparada com escadinhas e réplicas dos nossos socalcos, são preenchidas com frutos e “searinhas”, tendo ao cimo o Menino Jesus, de pé, a presidir à vida familiar. Todos estes gestos simples, de profundo significado, unem o passado e o presente. É o tempo da “festa”, que se prolonga durante a oitava do Natal, como se fosse um só dia. O mistério do Natal deve acontecer, todos os dias, na nossa vida!
A explosão de consumismo, que se verifica nesta época natalícia, não conseguiu demover os nossos cristãos de participar nas “Missas do Parto”, o novenário que, na rica tradição madeirense, precede a preparação para o Natal de Jesus. É belo contemplar a vivência da fé do nosso povo, que, de manhãzinha, desafiando o frio e ou a chuva, aflui, com grande entusiasmo e júbilo, às nossas igrejas.
Saudação natalícia
Caros diocesanos e amigos, apesar da crise global que se faz sentir por todo o lado, prosseguimos com esperança, celebrando com alegria o Filho Unigénito de Deus e da Virgem Maria, que é fiel às suas promessas e jamais abandona o homem nos seus problemas ou infidelidades. “Não haja tristeza na noite em que nasce a Vida” (S. Leão Magno) e não tenham medo do Menino ao colo de sua Mãe, porque, vos anuncio uma grande alegria: “hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador” (Lc 2, 11)!
Neste Natal, saúdo com profunda alegria e sincero afecto no Deus Menino o nosso povo da Madeira e Porto Santo, as nossas comunidades emigrantes e, ainda, todas as pessoas que nos visitam, atraídas por este lindo presépio, que é a Ilha da Madeira, e apreciam as nossas tradições. Recordamos, com profunda saudade e amor, os nossos queridos irmãos, que já partiram e contemplam, na Luz eterna, o Rosto de Jesus Menino. Lembro particularmente as famílias, marcadas pelo sofrimento, os doentes, os pobres e desempregados, os que perderam o sentido da vida, as crianças, os jovens e os idosos. Que o Menino de Belém a todos envolva na sua Luz e na sua Paz!
Boas Festas! Alegria! Santo e Feliz Natal!
Sé do Funchal, 25 de Dezembro de 2008
† António Carrilho, Bispo do Funchal