O clima é de cortar à faca entre o Governo e a oposição por causa da revisão à Lei das Finanças Regionais (LFR) proposta pela Madeira.
O Executivo recusa em absoluto o articulado, argumentando que ele acrescenta despesa ao Orçamento do Estado (OE 2010), cuja proposta entrou ontem na AR pelas 22 horas e 20 minutos. "Ou se pára o processo [legislativo] e há vontade genuína de negociar, ou temos o caldo entornado", disse ontem ao DN uma fonte governamental. Francisco Assis, líder parlamentar do PS, avançava, pelo seu lado, que as negociações iriam "continuar pela noite fora".
Para hoje está agendada a votação e discussão da LFR na especialidade. A votação final poderá ser já amanhã. O Governo agita o fantasma de uma crise política (ver entrevista com Jorge Lacão nas páginas 34 e 35). A disposição de José Sócrates para o tudo ou nada foi comunicada pelo próprio à oposição.
Na Madeira, Alberto João Jardim disse o que, no seu entender, está em causa: um Governo a fazer "chantagem" com a oposição e a procurar um "pretexto" para se "ir embora" - isto é, provocar eleições antecipadas. E isto, segundo acrescentou, num diploma que só representa 0,05% do PIB. No Parlamento, o líder parlamentar do PSD sublinhava este aspecto: um "impacto orçamental pouco relevante".
A proposta avançada pela Assembleia Legislativa da Madeira altera a LFR aprovada pelo Governo em 2007, que veio mudar o financiamento às regiões autónomas. A Madeira exige um regresso à fórmula de cálculo anterior e quer ainda ser compensada pelos valores que diz ter perdido nos últimos anos - o PSD/M falava em 111,5 milhões de euros, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República apontou para 165 milhões.
O PSD voltou ontem a recuar nesta reivindicação. Os sociais-democratas propõem agora o não pagamento de um empréstimo de 102 milhões de euros contraído pela região autónoma em 2008, junto do Estado central - a dívida ficaria saldada em metade no final de 2011 e o restante no final de 2012. Mas mesmo esta proposta não deve passar - CDS e BE estão contra o pagamento de retroactivos à Madeira. "Queremos corrigir a injustiça das transferências, mas não aceitaremos retroactivos", garantiu ontem o bloquista Luís Fazenda. Todo o problema está, portanto, colocado no que une toda a oposição, mas não é aceite pelo Governo: o aumento das transferências anuais para as regiões autónomas: 74 milhões para a Madeira, 7,5 para os Açores.
À nova LFR, o Governo contrapôs a possibilidade de se aumentarem os limites do endividamento das regiões autónomas e ainda a regulamentação dos projectos de interesse comum. Guilherme Silva, n.º 1 do PSD madeirense na Assembleia da República, recusou: "É mais uma manobra política para atirar a lei para as calendas e para não aplicar no OE de 2010. O Governo sabe que está numa posição de teimosia e de intransigência incompreensível, quer 'dar um lamiré' de que tem alguma abertura [para negociar], quando não tem nenhum", disse ao DN.
Na Assembleia Legislativa da Madeira, Agostinho Gouveia, deputado do PSD/M, acusou o ministro das Finanças de ter "ódio à Madeira". "O que ele [Teixeira dos Santos] quer é abandonar o barco que ajudou a afundar, usando, agora, um falso argumento para justificar a sua saída. Basta de tanta mentira. Se não está bem, vá embora. Com certeza que haverá, neste país, pessoas para gerir bem os dinheiros públicos."
Em declarações ao DN, o líder parlamentar do CDS-PP, Pedro Mota Soares, disse que este é "um problema que o PS e o PSD deveriam ser capazes de resolver". Segundo acrescentou, o CDS-PP "sempre disse que queria uma lei mais justa, mas [elaborada] no quadro das dificuldades que o País atravessa". Os democratas-cristãos - que nas últimas legislativas elegeram pela primeira vez um deputado na Madeira - querem que a nova LFR inclua uma cláusula garantindo que os Açores não perderão dinheiro. E admitem, tal como o BE, que a Madeira não receba retroactivos pelas verbas perdidas desde 2007.
Texto da autoria integral do Diário de Notícias de Lisboa